Os bárbaros dirão que o viagra e a catuaba tornaram as receitas afrodisíacas desnecessárias. Enganam-se. As receitas afrodisíacas fazem parte do prazer que vai da mesa à cama e passa por todos os sentidos.
Viagra é para operários do sexo, diria Nelson Rodrigues. Comida afrodisíaca é para espíritos refinados e devemos lembrar que ela não impede o uso do viagra para quem mais o necessita.
O livro “Venus in the kitchen” tem 50 receitas coligidas por Norman Douglas, o escritor inglês que escreveu “South Wind” e que passou a maior parte de sua vida em Capri. Morreu aos 85 anos, depois de uma vida livre, tolerante e sem preconceitos. “Mal vivida” diriam juízes cuja condenação é a mais alta forma de louvor. É ilustrado por um desenho original de D. H. Lawrence, o autor de “O amante de Lady Chatterley”.
“Vênus na cozinha” combina com o tipo de vida que Norman Douglas viveu e com o personagem que criou. Foi um dos homens mais amados em Capri. Experimentou todos os tipos de amor, o que o torna uma autoridade no assunto e valoriza as suas receitas, algumas complicadas, outras ingênuas como velhos doces caseiros. Aliás, ele não acreditava muito em doces como estimulantes.
O autor de “Old Calabria”, “Fountain in the Sand”, “They Want Looking Back”, “London Street Games”, antologia proibida de limericks, não desdenhou de juntar à sua obra, sob o pseudônimo de Pilaff Bey, a coletânea de receitas afrodisíacas.
Graham Greene conta do meticuloso cuidado com que Douglas se entregou à tarefa. “O Douglas amou a vida demais para ter paciência com puritanos ou fanáticos”.
Percorri as receitas. Saborosas algumas só de serem lidas. Certos nomes de pratos soam à memória como vagas reminiscências literárias: “Hidromel”, “Taça dos Amorosos”, “Bebida para depois do Amor”, “Geleia de Cravos Vermelhos”.
As anotações à margem são pitorescas. A de chouriço à calabresa, de por água na boca, traz esta anotação: “comigo deu o resultado inverso”. Noutras apenas um “altamente recomendável” ou “realmente estimulante”.
Seus ingredientes prediletos são aipos, lagostas, camarões, caviar, aves, caças e alcachofras. Seguem algumas receitas. Bom apetite. Boa imaginação. Façam bom e pleno proveito.
Hidromel
Quando os “dog days” chegarem (em Curitiba aqueles dias de calor e umidade de janeiro e fevereiro) ponha água de fonte em uma vasilha. A três partes de água acrescente uma de mel clarificado. Despeje essa mistura em vasilhas de barro e faça com que seja mexida por quatro horas, sem parar, por suas fâmulas. Deixe-a descoberta, protegida apenas por um prato fino durante quarenta dias e quarenta noites. Então, é beber e brincar.
Miolos de Pardais
Os pardais sempre foram considerados estimulantes. Aristóteles, aqui traduzido para o latim, escrevia: “Propter nimium coito, vix tertium annum elabuntur”. Também recomendados pela escola de Salerno. Tome alguns miolos de pardais machos e metade desse número em miolos de pombos que ainda não voaram. Pegue um nabo, uma cebola e cozinhe-os em caldo de ervilhas. Corte em fatias o nabo e a cebola, ponha-os numa caçarola funda com meio copo de leite de cabra e ferva o leite até que seja quase completamente absorvido pelos legumes. Depois, ponha nesse caldo os miolos e polvilhe-os com cravo moído. Tire do fogo assim que começar a ferver e sirva quente.
Torta de testículos de boi
(Do livro de Bartolomeu Scappi, cozinheiro particular de Sua Santíssima Majestade, o Papa Pio V).
Para fazer esta torta de testículo de boi, tome quatro deles e ferva em água e sal. Desembarace-os da membrana que os cobre. Corte em fatias, polvilhe com pimenta branca, sal, canela e noz-moscada.
Prepare à parte um picadinho de rim de cordeiro, com bastante molho, três fatias de presunto magro, uma boa pitada de manjerona, timo e três cravos.
Prepare a massa para a torta. Depois, arrume em camadas no prato de torta. Primeiro uma de presunto, outra com fatias dos testículos e assim por diante. Antes de cobrir a torta, regue com um copo de vinho. Ponha no forno e sirva quente.
Lagosta à americana
A melhor receita para este prato foi dada por Charles Monselet. Tome a lagosta mais soberba e cheia de vitalidade que encontrar, corte em pedaços e jogue, ainda respirando (como?) em azeite do melhor, numa caçarola que já esteja sobre fogo forte. Acrescente sal, pimenta, alho picado, bom vinho branco, massa de tomates frescos, muito tempero. Cozinhe mais ou menos meia hora. Antes de servir ponha um pouco de consomé meio gelado e polvilhe ligeiramente com pimenta-caiena.
Monselet declara que se a mulher de Pulifar tivesse dado ao casto José esta iguaria não teria o desprazer de ter sido esnobada na histórica e memorável ocasião.
Realmente estimulante, acrescenta.
“Vulva steriles” Aspicius dá cinco ou seis receitas desse prato no Sétimo Livro, chamado Polyteles. Os romanos eram grandes apreciadores dessa iguaria. Horácio faz-lhe o elogio na Décima-Quinta Epístola e também Plinio em sua História Natural.
Tome dessa parte da anatomia de uma leitoa, deite em molho de escabeche de vinho branco no qual foi antes cozida uma cebola picada, um ramo de aipo, uma pitada de erva-doce, pimenta em grão, um pouco de gengibre, uma pitada de açafrão e sal.
Depois de ter deixado a carne assada nessa infusão por algumas horas, retire-a e cubra-a com farinha de trigo. Ponha no fogo, numa caçarola com uma colher mal cheia de azeite e deixe dourar de ambos os lados.
Filtre o molho e de quando em quando umedeça com ele a carne. Quando estiver quase cozida acrescente o sumo de um limão ou laranja e sirva quente.
Bebida para depois do amor
Um quarto de copo de vinho madeira, um quarto de copo de Maraschino, a gema de um ovo, um quarto de copo de creme de leite e outro tanto de velho conhaque.
Sirva sem misturar. Tenha o cuidado de não deixar quebrar a gema do ovo. Deve ser tomado de um só gole.