terça-feira, 14 de setembro de 2010

A festa de Babette

“Não há pecado afora a estupidez”. (Oscar Wilde)

Um pequeno grupo decidiu reproduzir, em Curitiba e na medida do possível, a festa de Babette e eu fui incluído entre os poucos convidados. O autor é o chef Hermes Custódio, do Vin Bistrô.

Quem viu o filme conhece a história. Numa sombria cidadezinha da Jutland, nos confins da Dinamarca, onde todos vivem em torno da religião, a vida parece andar lentamente. Babette (Stéphane Audran), que perdeu filho e marido na Comuna de Paris, se refugia ali, na casa de duas bondosas e religiosas senhoras, recatadas solteironas, filhas do falecido pastor do vilarejo.



Chef de um famoso restaurante parisiense, o Café Anglais, Babette trabalha sem remuneração em seu exílio. Ali ela vive por quatorze anos, até que um dia fica sabendo que ganhara na loteria a pequena fortuna de 10 mil francos.

Ela pede permissão para preparar um jantar para doze pessoas em comemoração ao centésimo aniversário do pastor. O auge da história é o espetacular banquete oferecido a um grupo de moradores e a um general, que representa a vida em Paris.



A princípio, os convidados ficam assustados, temendo ferir alguma lei divina ao aceitar um requintado jantar francês, idêntico ao que Babette preparava no Café Anglais. Só o general percebe a sofisticação do cardápio e o esmero de Babette.



O cardápio começa com a sopa de tartaruga com quenelles de vitela, acompanhada do vinho Clos de Vougeot de 1845 e continua com a deliciosa codorniz en sarcophage. A festa gastronômica de Babette tem o blinis demidof, servido com o champagne Veuve Clicquot de 1860 e vinho amontilado.

À medida que as pessoas experimentam as delícias que Babette preparou não só o paladar se modifica, mas, aos poucos, a sisudez permanente dos comensais vai se tornando, através da degustação, num prazer imenso pela vida. Desabrocha em todos uma alegria jamais vista naquele cantinho gelado do planeta. A sobremesa baba ao rhum faz com que antigos rivais confraternizem e a sensualidade rola solta por toda a inesquecível noite da "Festa de Babette".

A maestria com que é preparado o jantar e o requinte com que é servido compõe um ritual de descoberta do prazer que desinibe o espírito. O vinho não só é degustado, identificado pelo general Lorenzo, que no filme funciona como ponte entre as duas culturas. A Festa de Babette é o desabrochar da alma, na descoberta do prazer sem culpa.